sábado, 30 de junho de 2012

setenta anos

O sol hoje trouxe alegria
até para meus fantasmas
que sorriem ao meu lado

pegam-me pelo braço
e enlouquecem afoitos
pela calçada

também sorrio
porque sou cínico
bem mais que eles

esses meus fantasmas
na verdade são meninos

graças a deus sem correntes
presas a calcanhares

tudo que temos
eu e eles

são asas douradas
ora lilases e brilhantes

que ontem
tarde da madrugada
roubamos do meu pégaso

coitado,
ainda esperando
das estrelas um atestado
de lealdade e concupiscência

hoje o sol acordou bacana
cheio de manha e música

meus fantasmas já estão lá
na calçada correndo atrás
dos pombos coxos

e brincando de abraçar folhas secas
antes que caiam ao chão 

eu sorrio da janela
e escrevo versos

porque sou tão cínico
quanto o sol malandro

que hoje acordou estranho
mais devasso que de costume

queimando meu rosto
beijando minha nuca

saudoso
que tenho medo

dos meus fantasmas
sofrerem noutro dia

porque os fantasmas são meninos:
creem na eternidade dos bons momentos.

terça-feira, 26 de junho de 2012

metódico

Todo passarim sabe
que o entardecer
é mui delicado:

caem monstros
das estrelas.

Portanto,
para dentro
moço de cabelos brancos.

Fuja da varanda,
beba seu café
tranquilo.

Prefira o idílio dos olhos
da mulher que não te vê.

Aqueles guardados dentro do bolso do bermudão
fizeram-te tanto bem que quase te cegaram.

Para dentro do quarto
moço de cabelos brancos.

A varanda é para donzelas e jarros tristes.
Flores alegres a gente tranca dentro da gaveta.

Parece que a varanda também é para cronista abençoado.
Sempre vem um e outro passarim a deitar-se na almofada
ou naquela cadeira dura dos meus avós.

Já para dentro
moço de cabelos brancos.

Seu tempo de devaneios
é tão simples quanto
o seu tempo
de enganos.

Acabou-se aquele tipo de engasgo
que surge com a esperança.

Volte para seu quarto
e mate seus cupins.

Eles depois de comerem as portas e as janelas
não duvide hão de comer suas botas.

São tenazes e lépidos esses cupins
do mesmo código genético
dos chineses.

Pegue o veneno
e não cheire.

É forte pra chuchu o veneno
e tão leves os cupins
com o vento.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

amor não é fábula

Confesso que perdi as asas durante o mergulho
mas o bico continua úmido de pétala
e qual a flor me diga

que rejeita um pássaro trôpego
de bico encantado?

A gaita de Bob Dylan
toca agora doutro lado
passando pela montanha

logo após o último arco-íris
enquanto eu sonhava
e tu me iludias.

Juro que os teus peitos
foram mamados
com doçura
e lealdade

e ao dormir,
também te juro,

eu sabia de cada detalhe da saudade
que acordava com tua escova antiga
e os meus dentes amarelos.

Confesso que sem asas
o voo é seguro -

encostando o bico
na ponta do abismo

tiramos mel
do jardim.

Até creio que o céu
é todo abismo secreto

onde há pétalas de orquídeas
e bico molhado de pássaros trôpegos

[acreditas?]

sexta-feira, 22 de junho de 2012

chuva

Esperava essa chuva
para enviar-lhe
meu coração -

faça bom proveito
e não esqueça:

um beijinho
em cada face
é o seu maior dengo.

Em dias de insônia
deixe-o bater seu tambor
e dançar com suas entidades.

Ele é louco mesmo
e tem muito ciúme

do puro sangue
que se derrama
com as lágrimas.